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?A sociedade indignada quer que respons?veis sejam punidos?

Entrevista Gil Castello Branco, coordenador da ONG Contas Abertas

Segunda-feira, 29 de março de 2010


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O escândalo dos “Diários Secretos”na Assembleia Legislativa guarda várias semelhanças com o caso dos atos secretos no Senado Federal. Mas envolve valores ainda maiores e não pode ter o mesmo desfecho. A afirmação é do diretor-geral da ONG Contas Abertas, Gil Castello Branco. A entidade trabalha com a divulgação de dados e fiscalização do poder público em suas diversas esferas. Confira os principais trechos da entrevista à Gazeta do Povo:

Que conclusões o senhor tira sobre a transparência na Assembleia Legislativa do Paraná depois de ler as matérias da Gazeta do Povo e da RPC TV e de navegar no site da Assembleia?

A transparência ainda está engatinhando no país. Falar em transparência é muito fácil. Eu acho que a transparência é uma espécie de palavra “mágica” que faz parte da maioria dos discursos dos políticos. O Obama, por exemplo, no discurso de posse, falou quatro ou cinco vezes a palavra “transparência”. Então, de maneira geral, os políticos gostam de transparência, mas no governo dos outros. No Brasil eles não praticam a transparência. Então, se por um lado, foi um avanço a Assembleia Legislativa do Paraná ter divulgado, em março do ano passado, o nome dos funcionários, isso ainda é muito pouco perto do que se deseja. Cito como exemplo o fato da Casa Branca Americana ter no seu próprio site os nomes, os cargos e os salários anuais de todos os servidores da Casa Branca. E ninguém está tão tão sujeito a qualquer tipo de retaliação quanto um funcionário da Casa Branca. Então não há que se falar que há uma invasão de privacidade quando você está divulgando os salários dos servidores públicos. Na verdade, invadir a privacidade seria saber como servidor está gastando seu salário.

Como o senhor vê a utilização de diários avulsos pela Assembleia Legislativa?

Isso na verdade fere a própria Constituição. O artigo 37 da Constituição tem cinco princípios básicos: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Quando você faz uma divulgação da maneira que foi feita aqui, você está ferindo o príncipio da publicidade. A publicidade deveria ser sempre igual. Alguns diários não podem ser mais públicos que os outros. É claro que há uma intenção de não divulgar aqueles diários para esconder algum tipo de informação. Isso por si só já seria, necessariamente, mesmo que não houvesse mais nada de irregular, um fato gravíssimo.

Como senhor vê a atuação da imprensa na cobrança e na fiscalização do poder público?

A Convenção da ONU de combate à corrupção, da qual o Brasil é signatário, possui um artigo inteiro, o artigo 13, cujo tema é a participação da sociedade. Agora só se pode falar em participação da sociedade, naturalmente se houver acesso à informação e transparência. Falar de participação da sociedade sem acesso à informação seria uma balela. Esse trabalho que vocês realizaram é brilhante porque a sociedade tinha uma enorme dificuldade de acesso à informações públicas e esse controle social acaba contribuindo para melhorar a qualidade e a legalidade do ato público. Essa transparência não existia, a imprensa conseguiu a informação e, em nome da sociedade, está fazendo uma apuração que trouxe à tona fatos de extrema gravidade que já ganharam repercussão nacional e a apuração desses fatos se torna irreversível. A sociedade brasileira está acompanhando esse escândalo e de alguma maneira essas denúncias tem de produzir resultado.

Senhor acha que outras esferas, além do Ministério Público, têm de participar dessa investigação?

Acho muito pouco provável que a Assembleia tenha uma resposta eficiente para essas questões e que ela corte na própria carne. Isso não vai acontecer porque há todo um colegiado que de uma maneira ou de outra, foi beneficiada por um ou outro ato. Diante disso a tendência natural é que haja o coorporativismo. A tendência é de que esse escândalo seja banalizado e que tudo se resuma a orientações futuras e que enfim se torne uma pizza fatiada. Espero que haja reação de outros órgãos importantes.

Qual a comparação possível entre esse caso e o escândalo do Senado Federal?

São casos de extrema semelhança. A começar pela existência de dois diretores-gerais que já estavam há décadas ocupando esses cargos, inclusive com a mudança de presidentes, sem que eles fossem alcançados em uma substituição que seria natural. Isso mostra que esses diretores-gerais estavam enraizados naqueles cargos com tudo que há de negativo nisso, impedindo que os funcionários se rebelem contra isso porque começa a surgir a ideia de que aquelas pessoas são mesmo intocáveis e que elas vão sempre permanecer e que, portanto, não vale a pena desafiá-las. Depois, o fato de existirem esses diários secretos, ou sem numeração ou avulsos, que sempre serviram para essas designações e nomeações. Também tem a parte do recurso que foi desviado. O recurso tem de estar à serviço do interesse público e não há interesse público nenhum na Assembleia pagar o jardineiro do diretor-geral, como não havia no Senado pagar o mordomo da casa do presidente José Sarney.

Os valores envolvidos aqui parecem maiores que no Senado...

Não sei se a apuração mais completa aqui talvez explique isso, mas, talvez seja verdade... os valores aqui são até mais exorbitantes que os valores do Congresso. Agora, o que nós temos de cuidar é que o desfecho não seja o mesmo.

Qual o papel da sociedade civil por meio de suas diversas entidades representativas?

A sociedade tem de mostrar que a ética e a moralidade administrativa estão acima da questão político-partidária. A sociedade civil tem essa possibilidade de exercer pela moralidade sem estar ligado a um outro partido político. Os políticos, alguns se movem por índole, outros por temor. O político que se move por índole naturalmente busca seguir alguns preceitos mais éticos, mas a maior parte deles age por temor das próximas eleições. Quando eles percebem que o fato é grave e que a indignação da sociedade é muito grande, eles inclusive modificam suas posições. Foi, inclusive, o que aconteceu em Brasília. Em um primeiro momento toda a Câmara Distrital era solidária ao governador Arruda. Depois, em um segundo momento, todos votaram a favor da abertura do processo. Isso mostra que o político sente a pressão. O problema é que a sociedade, ainda no Brasil, não percebe que o Estado somos todos nós. As pessoas não se ligam que quem está pagando o jardineiro, pagando as agricultoras que foram usadas como laranjas, é a própria sociedade, com seus recursos.

Qual a expectativa em relação à questão da transparência no Brasil?

Dia 27 de maio vai entrar em vigor a lei complementar 131. Essa lei é uma emenda à lei de Responsabilidade Fiscal e o que ela diz. Ela diz que os estados e municípios coloquem suas contas na internet para que a sociedade possa acompanhar. Pa­­ra os municípios com mais de 100 mil habitantes, isso vale a partir de 27 de maio. Para as cidades entre 50 mil e 100 mil só ano que vem. E a partir de 2013, os municípios com menos de 50 mil habitantes teriam de colocar suas contas na internet. É claro que com a independência dos três poderes, fica difícil legislar em relação ao Judiciário e Legislativo, mas de qualquer maneira a intenção é clara de transparência nos três poderes. A sociedade brasileira é um tanto passiva, por resquícios da ditadura militar e por conta da inflação que nos afetou durante tanto tempo. Então o sujeito se desinteressava do acompanhamento dos gastos públicos. Aos poucos temos que produzir avanços e esse trabalho de vocês já é um avanço. Provocar um recadastramento é um avanço. Publicar o diário na internet também. Agora, avanços ainda insuficientes, porque acho que a sociedade indignada como está quer que venha à tona os responsáveis e quer que os responsáveis sejam punidos.

 

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